quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Rotina de um coração amarelado

É como conhecer o som da porta batendo
E não se preocupar com o silêncio que vai ficar depois
Assim, como quem anda sem prestar atenção nas pedras
Nem nas folhas que caíram ou que continuam rejeitando outono
É assim como saber ao certo onde anda o sapato
Não ter sorriso e nem pesar ao olhar retrato
E receber a saudade com indiferença
E não morrer de fome e nem de sede
É ter certeza da luz apagada pra dormir
O amor pode ter passado e dado bom dia
Enquanto eu ainda dormia.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Conte até três e prenda a respiração

É que se eu resolver vacilar agora
Vou ter que virar duas
Pra dar conta da minha choradeira
Que é chorada com olhos secos e alma molhada
Sentimento não tem fachada
Sentimento exposto é a outra cara dada
Melhor guardar o que se sente
Entristecer só por dentro e mostrar a risada
Que é assim que se guarda a hora de sorrir pra fora
Risada boa é risada que se dá calada

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Bom dia

Era dia de germinar uma semente qualquer
Mas o Sol levantou sem saber se era Confúcio ou Clarice
E muito cedo os cães já latiam feito covardes
Varrendo poeira e assustando as aves que mal haviam despertado
Logo o tempo nublou e os gatos tinham preguiça até para vadiar
O sino da Igreja ficou calado
A beata dormiu na porta do bar com o marido embriagado
A virgem da cidade queimou o último vestido branco
Era inverno e vinha tempestade
Fosse verão, a varanda amanheceria com geada
Ainda que o temporal viesse sem vento,
Ainda que todo o pó fosse molhado,
Todos agiam como se nada tivesse se passado
O amor fez sua farra, foi embora, deixou suas marcas
E ninguém havia notado que ali, a felicidade não fazia mais sua morada

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Agosto

Corre e solta a sua pipa
Já vem vindo o temporal
Solta agora que o vento é forte
Se passar, não adianta mais
Corre e solta a sua pipa
Carretel enrolado não faz história
Pouco importa a tempestade
Sim, a pipa voa e não volta
Não te inquietes, não chore
Que a chuva também morre

Só de passagem, não quero mais saudades

Foram noites desperdiçadas sem dó
Seu rosto - e um gosto que não sei lembrar - eram minha morada
Eu fui o que não sou por dias a fio
Lá na frente,
Cansada e sem rumo,
Atinei para uma triste realidade:
Quando muito, fui parte apenas de sua saudade
Agora quando canto, evito refrões
Mudei minhas roupas, meus gestos, minhas falas
Acho que voltei a ser eu de verdade

Antes e agora

Só sei ser dois se tiver a medida certa do que é um
Se acabei e comecei, enfim, tudo tem início e fim
Sou apenas aquilo que é meu
Se o que vês é melhor do que isso,
Criastes outro eu para ti
Somos feitos de distâncias
Encurtá-las é tentar viver

Quem avisa, amigo é

“Eu já havia lhe dito: esse mundo não é para você”
Não se diz isso a ninguém
O que não se pode fazer é prometer que isso aqui é um lugar seguro
Não é mesmo

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Consideração

Dormir com a cabeça cheia de idéias e a alma pesada é desgastante
Se engana quem pensa que o silêncio é sempre sábio.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Aprendizado

Vamos aprender a bater antes de entrar na vida dos outros
Vamos dar licença para a felicidade dos outros entrar
Quem é filho desta terra
Ganha flor de quem não conhece
E pedrada de quem afaga
Não só de sombra vive o homem
Trate sempre de iluminar o coração antes de fechar os olhos

domingo, 12 de outubro de 2008

Acabou a farra

Já senti todos os pesos do avesso
De quem acorda com a boca com o gosto de ontem
Já vesti a cara da noitada
Já fui da lua, de lua
Já voltei pra casa com a lua virada
Já pensei em ficar mesmo ali, sentada na calçada
Já peguei a noite pelas metades
Já roubei café do sol
Tive o escopo da felicidade
Encerrado no primeiro passo da ressaca
Pensei muito e senti pouco
Senti muito e pensei pouco
A euforia já se despede, vem raiando a luz do dia
Vou me adiantando, vou pra casa
A vida noturna é muito curta
Pra quem quer mais do que só a madrugada

Lá fora, todos os nomes são iguais

E a história é basicamente essa...talvez um só discurso e uma variedade enorme de bocas. Libido todo mundo tem de sobra, palavras ganham efeito sem grandes problemas em corações boêmios. O que a gente guarda, e que insistem por ai que temos que dividir, não cabe em corpos esbeltos, cabelos vistosos e olhares tão enigmáticos como o lugar comum. Queria saber em qual desses belos potes eu poderia depositar a confiança de uma vida. Queria saber em quantas curvas eu preciso me aventurar até encontrar uma alma cúmplice. O triste é que eu cismei que tenho um coração, só não faço uso.

Cautela

Entre todos os erros humanos, entre todas as coisas desumanas, talvez o pior erro, talvez a pior vala, escolher o ombro errado para chorar.

Infância

Crianças me embaraçam. Apesar de ter a benção de não carregar o fardo de grandes pecados, – se é que existe algo que mensure a dimensão de um pecado – o fato é que se elas me fitam com veemência, abaixo os olhos. Dizem que a pureza de uma criança é capaz de modificar as mais trágicas situações. Se através dos olhos elas se propõem a desarmar os outros, creio que isso seja uma verdade. Talvez o maior pecado seja amadurecer.

Rotina

Passam dias, passam horas
Meu café sem terminar
Sem terminar o que sobrou
Não sei por onde começar
Eu só eu naquele espelho
E o meu rosto está aqui
Alguém me disse que ia embora
Eu fiquei sentada ali
Alguém calçou meus sapatos
Alguém vestiu as minhas coisas
E eu procuro alguém sem nome
Às seis e meia da tarde
Não é pela rima, não é pelo tom
Mas dói, mas arde.

O dia após o outro

Fiz do muito um pouco caso
E por acaso vi o fim chegar
Peito machucado
Relógio estragado
Gavetas vazias
Minhas cores não têm mais neon
E qual não foi a minha surpresa
Mal percebi e tinha os olhos abertos
Era o fim do amor, não era o meu fim.