quarta-feira, 22 de abril de 2009

Gerúndios

O pior de tudo são as repetições. E as poucas perspectivas visíveis.  Tudo fica mais difícil de progredir porque eu estou sempre te repetindo, te diluindo, te reproduzindo em meus pensamentos. Vagos, como sempre. É uma linha contínua com uma força oposta. Eu olho para frente, mas sigo para trás. O problema é você estar no gerúndio. O vazio que limita um parágrafo do outro é mais ou menos parecido com a tal distância entre o número um e o número dois de que a Lispector falou certa vez. 
Eu não tenho fotos suas, não tenho seus gostos favoritos, não tenho suas manias, nem as coisas que você gosta de comer quando acorda. Não tenho nada dessas pequenas coisas que nos prendem a alguém. Mas tenho saudades. E é isso que eu não digo aos quatro cantos, mas é o gerúndio que carrego dentro de mim. O tempo vai passando e eu permaneço te repetindo. A vida vai andando e continuo te esquecendo, é por isso que eu nunca te esqueci. 

domingo, 19 de abril de 2009

Desabafo

Perder você foi duro pra quem sempre achou que nunca teve nada a perder. A gente percebe que tem alguém por um suspiro. Pelo cheiro que fica impregnado na alma. Pela sensação do toque que fica depois de ter conhecido tantas mãos. 

Eu vi outros olhos. Eu senti outros sentimentos. Eu passei por todo um buraco negro indecifrável chamado outros. E foi só você quem ficou. Foi só seu gosto que parou na minha boca. Foi só a sua vontade que prevaleceu na dos outros. Só teve um telefone que eu quis discar e nunca tive coragem. Assumir que te quero dói.

Hoje eu não acordei com vontade de ignorar a presença da sua ausência.  Ta na hora de admitir pra mim mesma que sinto mesmo a sua falta, pelo menos para aliviar um pouco essa respiração sufocada. 

Esse nó na garganta que fica toda vez que tento transformar minhas lembranças em apenas uma casualidade qualquer. Que não seja para me enganar, mas volte. Pra dizer qualquer coisa que seja. Eu só preciso de um rastro que não seja a incerteza que ficou quando você quis ir.

 

 

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Surdez

Eram dois surdos rompendo no metrô. O trem sacudia, chiava nos trilhos, as pessoas reclamavam e uma lágrima de canto escorria. Um olhava para o outro com dor. Ora os olhos passeavam pelo chão, ora fitavam a janela, quando ganhavam coragem, fitavam uns aos outros ou o movimento das mãos, que gritavam.

Ao redor, o que as pessoas ouviam eram reclamações do cotidiano, celulares tocando, adolescentes fazendo baderna depois da aula. Mas era no silêncio que dois corações se partiam. Uma cena de novela, encenada por gestos. A separação a quatro mãos, o soneto mais triste que dois poetas de uma realidade silenciosa fizeram.

Um dizia ao outro coisas terríveis. Um implorava ao outro que fosse diferente. Um jogava na cara do outro que talvez fosse melhor nunca terem se cruzado na vida. As mãos as vezes tremiam.

Em uma estação perdida, ela desistiu de suportar o peso da discussão e resolveu descer. No calor de uma discussão abafada pelas inutilidades rotineira dos passageiros, deixou escapar um soluço, um único sinal sonoro de toda a tormenta. 

E ele se virou para a janela para dizer adeus, ainda com uma lágrima escorrendo pelo mesmo canto do olho. Já não dizia mais nada com as mãos. Os corações soluçavam, dentro e fora da estação, sem dizer uma palavra sequer.