segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O fim de agosto e o começo de outro verão

Foi uma briga horrível. Ele disse tudo ao contrário do que queria e devia.
Ela chorou, esbravejou e, por fim, consentiu que o coração mudasse de cor e que a boca dele não tivesse mais gosto de fruta doce.
Que a boca dele não tivesse qualquer gosto que fosse.
E foram anos sem palavras, sem gritos, sem notícias e muita memória.
Até que um dia ele resolveu voltar.
Com a mesma dor e o mesmo sorriso bobo que carrega o cão com o rabo entre as pernas.
Quis se arrepender.
Quis entrar em casa.
Quis desfazer a mala e abraça-la na jardineira
Voltou para uma casa que não era sua
Encontrou um filho que não era seu
Enxergou nela um olhar que não reconheceu
Deixou rolar uma lágrima
Que sujou de negro o pombo branco que trazia nas mãos
Foi embora com o coração amarelado
E a cara toda borrada de carvão

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Sol a pino

Tinha um verão em uma cidade largada
E um vendedor de algodão doce em uma praça também apagada
No meio do nada tinha uma moça dentro de uma jardineira rosada
Muito bronze no corpo, pouco brilho nos olhos
Mas o suficiente para deixar a alma do vendedor agoniada
Ela tinha raiva da poeira que a rasteirinha espalhava
E imaginava amargurada uma areia macia e salgada
Ele veio do litoral e nunca conheceu brisa ou maresia
Que lhe deixasse leve como o andado daquela morena no calor dos condenados
Sem sorriso no rosto, ela queria algodão doce, mas não tinha dinheiro trocado
Ele lhe ofereceu um assim mesmo e de muito bom grado
Ela pegou com a mão dura, como se um favor tivesse aceitado
E foi embora com a boca doce, o peito seco e a cara fechada
Ele baixou os olhos, procurou o amor na poeira e viu que o bolso estava cheio de trocados

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

"Whatever the hell that means"

Não quero responder como estou
não quero remédios pra dormir
nem pra depressão
nem pensar no dia em que está por vir
nem nas coisas que aconteceram ou deixaram de acontecer
nem no tempo que eu queria ficar só com a minha cama
nem nas coisas que passam pela minha cabeça olhando a janela do metrô
nem nos dias de agosto
nem nas esperanças de setembro
nem se ta quente ou se ta frio
nem na cor do esmalte que vai cobrir esse aqui todo descascado
nem no descaso da realidade
nem na monotonia do espelho
nem na falta de sentido do mover dos ponteiros
só quero ficar bem
"whatever the hell that means"

domingo, 22 de agosto de 2010

Carta de um cão aos donos

Vocês tem um dito “dom” de racionalidade. Mas é justamente isso, que todos vocês se enchem de soberba para humilharem qualquer outra espécie, que falta em tudo que fazem. Tolos e iludidos na própria soberbia, se envaidecem pelo que não dominam e ignoram o que lhes engole a cada dia: sentimento.

Humanos pensam, mas infelizmente sentem. Não fosse isso, certamente seriam mesmo uma espécie muito evoluída. Enganam quem amam. Mentem para conseguir o que querem. Se iludem a vida inteira no intuito de dominar o dono de todos os sentimentos. Amor não tem dono e nem escrúpulos. Não tem pena de humano de espécie alguma.

Vocês mal mal sustentam o pulsar de um músculo dentro do peito. O que dirá de algo que os devasta a cada dia quando os invade e ainda ri prazerosamente da aflição que lhes causa. Tolos. Por amor, e pela falta dele, vocês provam a tudo que se move na Terra como são pequenos. E carentes de evolução. Seguem ai amando, sofrendo, buscando sentido na vida, se remontando, se refazendo simplesmente para se entregarem novamente ao que lhes destruiu outrora.

Nós, os “irracionais”, os pagãos, vivemos de agradar somente quem nos alimenta. Trepamos e sentimos prazer quando há alguém no cio. Vivemos a latir e rir, na maioria das vezes, da cara de vocês. Graças a Deus, ainda não aprendemos a amar.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O tal pulso que ainda pulsa

Eu não sei o que amarga mais na garganta: se é saber que se eu pensar um pouquinho mais que seja sobre isso vou ver outra lágrima cansada rolar; se é temer que ela role porque dói demais saber que você me olha do mesmo jeito que eu te olho e não passa disso; Ou saber que eu tenho nos olhos todas as lágrimas que vem caindo desde que te conheci e na memória um olhar que eu não quero perder.
Eu não agüento mais sofrer por você.
Eu não agüento mais ficar longe de você.
Tá tudo guardado aqui dentro...
Amor, tesão, vontade, carinho, amizade.
Tá faltando você.

domingo, 27 de junho de 2010

Silvas, não tão comuns assim

Andava de cabeça baixa diariamente. Tinha uma vaga impressão que chutava as mesmas pedras todos os dias a caminho da escola. Como se, mesmo depois de enxotadas, elas voltassem ali sempre para fazer companhia a ela, assim como ela fazia com o mundo.

Dizia coisas impressionantes sobre música clássica, política, filosofia e todas as ciências necessárias para chamar alguém de culto. Mas as frases mais lindas e melancólicas eram registradas só no vapor sobre do espelho do banheiro, com a tinta invisível das digitais, que desaparecem ao mero sinal de um sopro.

Escrevia suas verdades ocultas e se olhava no espelho somente os segundos suficientes para perceber que não agüentava aquilo e que a saída mais prática era abrir o armário para desviar o pensamento para a pasta dental ou o remédio a tomar depois do almoço.

Aconselhava as pessoas sempre que podia. Dizia a elas tudo que pensava sobre os prós e revezes desta ou daquela escolha. Dava conselhos principalmente ao pai, que parecia ter tomado, durante toda a vida, os mesmos caminhos que ela. Gastando essa e aquela tristeza entre um trago de cigarro ou outro. Enfim, desenhar a vida dos outros sempre foi mais fácil.

Em casa era assim. A mãe, dona do drama. O pai, lia o jornal. Ela resmungava e praguejava sobre o eletrodoméstico que sobrava na vizinha e faltava na casa dela, sobre o preço da feira, sobre o salário medíocre do funcionário público com quem se casara. Se rasgava em ódio e rubor ao ver que ele, em vez de debater, se virava para a janela com um cinzeiro de lata amassado e acendia um cigarro. Dizia que se casara com um frouxo e que mesmo ele a ignorava.

Era a única que não via o sorriso infantil que ele desmanchava ouvindo aquilo tudo enquanto alimentava um canário. Não percebia que ele não sabia sofrer gritando. E não dividia com ele a lágrima que pingava caladinha no fundo do cinzeiro velho. A dor dele ficava acolhida ali nas cinzas, Em silencio. O canário também se ocupava em comer alpiste, em vez de consolá-lo.

Realmente não havia puxado a mãe em nada. Era filha só do pai, em tudo. Carregava no sangue a incapacidade tortuosa de falar com o mundo. O silêncio, para eles, era a única saída para quem tem uma vontade absurda de gritar, mas não sabe exatamente o que.

domingo, 6 de junho de 2010

Junho

Mesmo com sol lá fora, com dia bonito
Todo ano vem o inverno
É o universo mostrando pra todo mundo
Que não é só dentro da gente que fica frio
Não, não é no verão que os amores acontecem
O verão é o tempo da ilusão colorida
Amores de verdade só florescem no inverno
E só murcham quando não há mais o que sugar de você

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Retrato da rotina

- Você está cansada de saber que eu te amo!
-É...eu me cansei de saber disso.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Aprendizado

Se eu pudesse eu te ensinava
A dar ao menos um passo acordada em cada sonho
Te ensinava que a verdade não gosta de rodeios
E que a mentira é uma bela senhora amargurada
Te ensinava a fazer doer em você o mesmo tanto que nos outros
Pra você sentir o gosto da garganta travada
Quando chorarem olhos alheios as suas mancadas
Te ensinava a conviver com a frieza
Te ensinava a esquecer canalhas na marra
Sem com isso penalizar seu coração doce de criança
Te ensinava que o mundo é arriscado
Pra quem não anda com os punhos serrados

quarta-feira, 26 de maio de 2010

"Your ex-Lover is dead"

Live through this and you won’t look back....I’m not sorry there’s nothing to say. I’m not sorry there’s nothing to save. Uma música de despedida e dois rostos no meu passado. O primeiro quase transformou meu coração em um mártir, o segundo pagou pelos pecados que não cometeu. Dois (quase) amores. Um quis fazer de mim uma santa, o outro me mostrou que ainda tenho os pés sujos de terra, bem distante de reinos sagrados. Nem anjo e nem diabo. Sofri só pra descobrir o óbvio. Sou humana.

terça-feira, 18 de maio de 2010

A castanheira

Tinha alguém sentado ali
Olhando aquelas folhas secas de castanheiras voando desordenadas
Coisas secas e desordenadas lhe atraiam naqueles dias em que Deus havia decidido economizar nas cores de aquarela para colorir o céu, as praças ou mesmo a vida de quem tem esse costume inóspito de sentar e olhar as folhas voando.
Inóspito também era aquele estado de espírito em que ele se habituara a viver
Como se cada folha que passasse raspando o chão com o movimento da brisa, fosse um pedaço dele também que vagava de um lado a outro
Sem ter outro rumo a não ser aquele definido pelo vento.
Ele ainda tinha lá dentro
Nas raízes de si mesmo
Uma melodia doce e triste
Dessas que servem para acompanhar bem a chegada do inverno em um dia nublado
Era a melodia que repetia dentro de si diariamente
Com humildade, repetia coisas simples
Folhas secas, desordenadas e uma melodia de inverno
Diziam que era um homem só
Um apaixonado só, sentado embaixo de uma castanheira

terça-feira, 11 de maio de 2010

Tempo virado

Todo mundo agasalhado lá fora
Estão dizendo que o tempo virou.
Meu casaco continua pendurado, nem reparei
Aqui por dentro, o frio chegou faz tempo
Já me habituei

sábado, 8 de maio de 2010

After

Com todo mundo é assim também? É todo mundo que sai de uma festa bacana, com gente sorrindo, levemente embriagada, comentando sobre isso e aquilo e no fim das contas tem vontade de dormir com um cheiro que não está no travesseiro? Porque eu não suporto essa sensação.

Porque me dói toda vez que eu chego bêbada e, antes de colocar um pijama e deitar na cama, paro pra tomar um chá quente. Pra tirar a tosse e essa nostalgia que fica no peito e não dá pra dividir com ninguém. Porque ninguém vai entender se eu reclamar que não to cheirando seu cabelo até conseguir cair no sono. Ninguém vai entender que vai ser mais leve se eu apagar a luz do quarto pra dormir depois que ligar o computador no meio da madrugada pra olhar aquela sua foto.

A mesma que eu já parei tudo na vida só pra ficar olhando. Eu parei tudo na minha vida pra ficar te olhando. Tudo continua acontecendo. Casa, trabalho, reza, amigos, bebidas. Praticamente tudo no automático. Porque aqui dentro eu não consigo mover mais nada se não tiver você no meio. Vão dizer que é obsessão. Eu não sei o que é. Só sei que eu sinto falta. Eu já sei como é bom aproveitar tudo da vida sozinha. Mas ainda não sei o que é viver você. É só isso que me mata aos poucos.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Vírgulas

Olha, eu poderia me esforçar mais para ser gentil com pessoas estranhas. Ou mesmo menos travada ao perceber alguém aparentemente interessante. Mas há uma vírgula no meio disso tudo. Eu posso beijar várias bocas, mas vou querer a sua. Eu posso ligar pra várias pessoas, mas é sua voz que eu quero ouvir. Eu posso ver um monte de gente bonita noite afora, mas é só seu rosto que enxergo em cada canto que eu piso. Vê? Você está ai o tempo inteiro. Você é essa vírgula, que fica indo de um lado ao outro da frase, mas precisa existir pra alguma coisa ser escrita de forma certa na minha vida.

Se alguém notasse de perto, poderia me chamar de narcisa ao me ver tanto tempo me olhando na frente do espelho. Mas na verdade é você que eu enxergo ali, mesmo em pensamento. É que na frente do espelho minha cara se despe ao me forçar a ver que o sentimento existe.

Eu penso que eu deveria ter limites. Eu penso que eu deveria ouvir os conselhos de todos que me falam pra deixar isso quieto e tocar minha vida. Mas ai acabo deixando tudo pra lá mesmo, entrando em um ouvido e saindo em outro. Não dá tempo de pensar em outra coisa. Eu tenho que imaginar o que você está fazendo, o que você está escrevendo, o que você está pensando e se de alguma forma eu realmente faço parte da sua vida.

Graças a Deus o ciúme, meu pior defeito, me deu trégua pelo menos em um aspecto: é tão louco e megalomaníaco que não me permite te imaginar com outra. Dói demais.
A verdade é que eu não consigo parar de pensar naquela nossa conversa, aquela que a gente não teve aqui. Aquela em que você sentou em um banco e me contou tudo que acontecia na sua vida e como você estava triste ao lado dessa sua mulher. É porque ela não é sua. Sua mulher está aqui. Sentada em um banco, esperando para colocar algumas vírgulas na sua vida.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

P.S.

Eu vivo todos os dias
As partes de uma história
Que eu não escrevi
Eu carrego no peito o peso de uma melodia
E me sinto diariamente
Incrivelmente viva
Incrivelmente triste

quinta-feira, 25 de março de 2010

Fim de noite

Pela vaga rua vagabundo o peito vai
Pela ruela escura o sangue escorre
Coração aberto peito afora chora
Pelo fino gosto do prazer ao luxo
O sentimento vai ao lixo
Pé no samba, passo firme o outro segue
Salto solto no compasso ela segue ao lado
Ele dança, ela sorri
Ela se mostra, ele a engole
Eu vago pela rua vagabunda
Com o coração vadio que ela deixou para trás.