domingo, 27 de junho de 2010

Silvas, não tão comuns assim

Andava de cabeça baixa diariamente. Tinha uma vaga impressão que chutava as mesmas pedras todos os dias a caminho da escola. Como se, mesmo depois de enxotadas, elas voltassem ali sempre para fazer companhia a ela, assim como ela fazia com o mundo.

Dizia coisas impressionantes sobre música clássica, política, filosofia e todas as ciências necessárias para chamar alguém de culto. Mas as frases mais lindas e melancólicas eram registradas só no vapor sobre do espelho do banheiro, com a tinta invisível das digitais, que desaparecem ao mero sinal de um sopro.

Escrevia suas verdades ocultas e se olhava no espelho somente os segundos suficientes para perceber que não agüentava aquilo e que a saída mais prática era abrir o armário para desviar o pensamento para a pasta dental ou o remédio a tomar depois do almoço.

Aconselhava as pessoas sempre que podia. Dizia a elas tudo que pensava sobre os prós e revezes desta ou daquela escolha. Dava conselhos principalmente ao pai, que parecia ter tomado, durante toda a vida, os mesmos caminhos que ela. Gastando essa e aquela tristeza entre um trago de cigarro ou outro. Enfim, desenhar a vida dos outros sempre foi mais fácil.

Em casa era assim. A mãe, dona do drama. O pai, lia o jornal. Ela resmungava e praguejava sobre o eletrodoméstico que sobrava na vizinha e faltava na casa dela, sobre o preço da feira, sobre o salário medíocre do funcionário público com quem se casara. Se rasgava em ódio e rubor ao ver que ele, em vez de debater, se virava para a janela com um cinzeiro de lata amassado e acendia um cigarro. Dizia que se casara com um frouxo e que mesmo ele a ignorava.

Era a única que não via o sorriso infantil que ele desmanchava ouvindo aquilo tudo enquanto alimentava um canário. Não percebia que ele não sabia sofrer gritando. E não dividia com ele a lágrima que pingava caladinha no fundo do cinzeiro velho. A dor dele ficava acolhida ali nas cinzas, Em silencio. O canário também se ocupava em comer alpiste, em vez de consolá-lo.

Realmente não havia puxado a mãe em nada. Era filha só do pai, em tudo. Carregava no sangue a incapacidade tortuosa de falar com o mundo. O silêncio, para eles, era a única saída para quem tem uma vontade absurda de gritar, mas não sabe exatamente o que.

domingo, 6 de junho de 2010

Junho

Mesmo com sol lá fora, com dia bonito
Todo ano vem o inverno
É o universo mostrando pra todo mundo
Que não é só dentro da gente que fica frio
Não, não é no verão que os amores acontecem
O verão é o tempo da ilusão colorida
Amores de verdade só florescem no inverno
E só murcham quando não há mais o que sugar de você