quinta-feira, 2 de abril de 2009

Surdez

Eram dois surdos rompendo no metrô. O trem sacudia, chiava nos trilhos, as pessoas reclamavam e uma lágrima de canto escorria. Um olhava para o outro com dor. Ora os olhos passeavam pelo chão, ora fitavam a janela, quando ganhavam coragem, fitavam uns aos outros ou o movimento das mãos, que gritavam.

Ao redor, o que as pessoas ouviam eram reclamações do cotidiano, celulares tocando, adolescentes fazendo baderna depois da aula. Mas era no silêncio que dois corações se partiam. Uma cena de novela, encenada por gestos. A separação a quatro mãos, o soneto mais triste que dois poetas de uma realidade silenciosa fizeram.

Um dizia ao outro coisas terríveis. Um implorava ao outro que fosse diferente. Um jogava na cara do outro que talvez fosse melhor nunca terem se cruzado na vida. As mãos as vezes tremiam.

Em uma estação perdida, ela desistiu de suportar o peso da discussão e resolveu descer. No calor de uma discussão abafada pelas inutilidades rotineira dos passageiros, deixou escapar um soluço, um único sinal sonoro de toda a tormenta. 

E ele se virou para a janela para dizer adeus, ainda com uma lágrima escorrendo pelo mesmo canto do olho. Já não dizia mais nada com as mãos. Os corações soluçavam, dentro e fora da estação, sem dizer uma palavra sequer. 

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